Os Fiagros são fundos que agregam recursos de investidores aplicados em ativos de investimento do agronegócio, geralmente no formato de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs).
Em meados de 2023, requerimentos de recuperação judicial e inadimplências afetaram negativamente os Fiagros, resultando em uma desvalorização no valor de suas cotas.
Alguns fundos foram diretamente impactados pelas inadimplências, enquanto outros enfrentaram o pessimismo gerado em relação à classe. No relatório a seguir, apresentamos os Fiagros e nossa perspectiva para o momento atual.
Dinâmicas desfavoráveis de demanda e oferta impactaram alguns setores do agronegócio, resultando na redução dos preços de algumas culturas. Essa situação afetou as margens das empresas e, consequentemente, sua capacidade de honrar suas dívidas.
Regulamentados em 2021, os Fiagros experimentaram um crescimento significativo no número de investidores, refletindo os altos dividend yields oferecidos.
As inadimplências e os pedidos de recuperação têm exercido um impacto negativo sobre o volume de ofertas dos Fiagros. Em janeiro e fevereiro de 2024, os Fiagros conseguiram captar os maiores volumes desde o início de 2022.
No entanto, continuam a oferecer dividend yields elevados.
A maior exposição dos portfólios dos fundos está nos produtores rurais (grãos), como a soja, que foi fortemente impactada pela dinâmica de preços.
Apesar do momento desafiador para a classe, acreditamos que alguns fundos estão bem posicionados em setores do agronegócio, mantendo margens saudáveis e exposição a empresas robustas. Portanto, este é um momento em que os investidores devem dedicar mais atenção aos portfólios dos fundos, à exposição e à diversificação.
Grãos – Visão Setorial

Nos últimos anos, o Brasil tem desfrutado de um cenário favorável em relação aos preços dos grãos, o que proporcionou boas margens aos produtores. No entanto, no ano passado, houve uma tendência de queda nos preços desses grãos, atribuída à manutenção de uma oferta saudável e uma demanda mais fraca. Essa tendência pode ser observada nos gráficos 1 e 2, onde ocorrem quedas nos preços das sacas de soja e do milho.
Como resultado da queda de preços no ano anterior, os produtores rurais optaram por reter os grãos, solicitando prazos estendidos às revendedoras, na expectativa de uma recuperação nos preços. Diante desse contexto, as revendedoras viram-se obrigadas a aumentar o período de conversão de caixa do capital de giro e recorreram a empresas químicas de fertilizantes e defensivos para apoio financeiro.
Ao analisar o gráfico 2, percebemos que nos últimos anos o preço da soja permaneceu em níveis mais elevados. No entanto, a partir de meados de 2023, ocorreu uma queda mais acentuada.
Essa tendência de baixa nos preços da soja foi influenciada pelo ritmo acelerado da colheita nos EUA, pela manutenção dos estoques globais, um contexto mais favorável para a safra na Argentina, melhores expectativas para a safra brasileira e uma demanda externa mais fraca.
Em relação ao preço do milho, também observamos movimentos de baixa nas cotações por saca, impactados pelas boas safras na Argentina, juntamente com condições climáticas mais favoráveis do que o esperado inicialmente no Brasil. Além disso, a robustez da safra ucraniana também exerceu pressão descendente sobre os preços.
Para o ano de 2024, as expectativas apontam para um cenário desafiador em relação à dinâmica de preços dos grãos, o que pode impactar ainda mais as margens dos produtores, especialmente os do Mato Grosso, que enfrentam não apenas margens mais estreitas, mas também sofrem com os efeitos negativos de quebras de safra.
Essa dinâmica de preços também pode afetar o segmento de revenda, que pode enfrentar novamente um aumento no número de dias necessários para a conversão de caixa e a necessidade de recorrer à alavancagem financeira. No entanto, é importante ressaltar que as tendências de queda nos preços não são tão acentuadas quanto as observadas no ano anterior.
Insumos Agrícolas – Visão Setorial

O Brasil é um grande importador de insumos agrícolas. Entre esses insumos, os fertilizantes são utilizados principalmente nas culturas de soja e milho, que juntas representam mais de 60% do consumo, segundo uma publicação do Ministério da Agricultura.
A demanda por esses produtos está intrinsicamente ligada ao desempenho das safras agrícolas, e diretamente correlacionada a dois fatores principais:
(i) o índice de relação de troca, que mede a proporção entre a quantidade de sacas e a tonelada de fertilizantes – quanto menor, maior a propensão dos produtores a comprarem os insumos; e
(ii) o preço das commodities agrícolas – pois mesmo com uma relação de troca favorável, os produtores podem optar por não vender os grãos em momentos de baixa de preços, diminuindo a demanda pelos químicos.
Ao longo de 2023, o setor de fertilizantes e defensivos (incluindo tanto as multinacionais quanto as revendas agrícolas) enfrentou uma situação de excesso de estoque. Além disso, com a queda dos preços dos grãos, os produtores preferiram adiar as compras de insumos, como fertilizantes, a fim de melhorar suas margens, além de manter os grãos em seus armazéns à espera da recuperação de preços, reduzindo assim o volume produzido atualmente.
Com uma situação de estoques acima da média histórica e uma demanda mais fraca, os preços de defensivos e fertilizantes caíram em média 60% em 2023, trazendo uma dinâmica desafiadora para as margens de revendas e fornecedores de insumos agrícolas em sua grande maioria.
Proteína Animal

No que diz respeito à proteína animal, o cenário atual é mais positivo para os frigoríficos (de aves, suínos e bovinos). A queda nos preços dos grãos, especificamente a redução no preço da ração utilizada neste segmento, tem beneficiado as empresas deste setor.
No caso do gado, os dados de abate continuam fortes e os preços permanecem favoráveis para os frigoríficos, tanto devido à demanda de exportações quanto à forte demanda doméstica. Com os preços do gado ainda pressionados pelo momento favorável do ciclo, o cenário continua sendo desafiador para os pecuaristas.
No segmento dos suínos, o cenário é positivo, embora menos do que para as outras proteínas animais. Nesses segmentos, o preço de exportação permanece fraco devido à situação de oferta muito forte na China. Em relação ao frango, as margens continuam favoráveis devido à ração mais barata, aliada a uma forte demanda tanto no mercado doméstico quanto no de exportações, o que traz expectativas positivas para essa proteína.
Evolução do valor de mercado versus valor patrimonial
A entrada de novos investidores contribuiu para o desenvolvimento da classe, refletindo positivamente no valor de mercado dos fundos.
Em contrapartida, repercussões negativas e impactos de inadimplência dentro dos portfólios dos fundos resultaram no efeito oposto para a classe, levando fundos que antes negociavam com ágio em relação aos seus valores patrimoniais a negociarem agora com descontos.
Matriz de risco sistemático
Além disso, analisamos os portfólios dos Fiagros listados e a exposição setorial de seus CRAs. Com isso, elaboramos uma “matriz” de risco sistemático, onde 5 é considerado como risco alto e 1 baixo, de acordo com nossa visão e expectativa futura para cada um dos setores do agronegócio.
Vale ressaltar que, aqui, não estamos levando em conta questões específicas de cada fundo, como diversificação por devedor, garantias, análise específica de cada CRA, entre outros fatores. Nesta análise, apenas levamos em consideração a exposição setorial.
Estes setores atualmente apresentam dinâmicas de preços mais desfavoráveis.
Riscos nos Fiagros:
Listamos abaixo alguns dos principais riscos associados aos Fiagros:
- Risco de Crédito: associado à falta de capacidade de pagamento dos devedores em suas obrigações contratuais.
- Risco de Liquidez: associado à dificuldade de converter cotas de Fiagros em dinheiro no futuro, por falta de negociação do ativo.
- Risco de Mercado: associado a (i) condições macroeconômicas em geral (ex. taxas de juros, inflação e USD); (ii) políticas públicas locais e internacionais. (ex. reforma tributária); e (iii) preço das commodities em geral.
- Risco de Governança: associado à violação, pelo gestor do fundo, de sua política de investimento e/ou má condução de negócios. (ex. falta de procedimentos internos, transparência, política de ética definida).
- Risco de Concentração: um fundo pode investir em um único ativo ou em poucos ativos, concentrando o risco da carteira em poucos locatários.
- Risco Climático: Possível impacto negativo que um evento climático pode causar na agricultura ou pecuária dos devedores, afetando adversamente, por consequência, sua capacidade de pagamento.
Detalhamento os maiores Fiagros da bolsa
XPCA11
O XPCA11 é gerido pela XP Asset, e seu patrimônio líquido atual é de R$ 431,9 milhões, o que faz do fundo o oitavo maior Fiagro listado em bolsa atualmente. Em seu último Relatório Gerencial, o fundo afirma ter 101.652 cotistas. Atualmente, o fundo possui 89,6% de seu patrimônio líquido alocado em CRAs, 7,8% alocados em cotas de FIDC Fiagro, e os demais 2,7% alocados em instrumentos de caixa. A maior parte dos CRAs são indexados ao CDI (91,7%), e sua taxa média de aquisição é de 4,71% a.a., os demais CRAs são indexados ao IPCA com taxa média de aquisição de 8,73% a.a. A carteira de CRAs do fundo atualmente possui duration de 2 anos.
Em termos de diversificação regional, os CRAs em seu portfólio estão associados a empresas com operações em 18 estados brasileiros, com destaque para MT (32%), PR (11,1%), SP (9,5%) e MG (9,4%). Já em termos setoriais, o fundo apresenta boa diversificação entre diversos setores ligados ao agronegócio.
Destacam-se os ativos do setor de Produtor Rural (37%), Açúcar e Etanol (16,9%) e Cooperativa (9,2%). Apesar da maior exposição no segmento de produtos rurais, o gestor acredita que o portfólio está bem posicionado. Ainda o fundo apresenta grande exposição em açúcar, aproveitando o atual momento.
Atualmente, o fundo negocia com desconto em relação ao nosso valuation de aproximadamente 4,5%, que leva em conta seu nível de risco de crédito e diversificação do portfólio.
VGIA11
O VGIA11 é gerido pela Valora Investimentos, e seu patrimônio líquido atual é de R$ 852,5 milhões, o que faz do fundo o terceiro maior Fiagro listado em bolsa atualmente. Em seu último Relatório Gerencial, o fundo afirma ter 169.592 cotistas.
Ao final do mês de janeiro de 2024, o fundo possuía todo seu patrimônio líquido alocado em CRAs indexados ao CDI, e sua taxa média de aquisição era de 5,1% a.a., com duration de 1,8 ano. A gestora do fundo afirma focar em operações de estruturação própria, de modo a ter participação mais ativa no processo e buscar maior retorno ajustado pelo risco. O fundo possui um passivo de R$ 64,2 milhões em compromissos de recompra de CRAs vendidos, que serão exercidos ao longo dos próximos três meses.
Em termos de diversificação regional, os CRAs no portfólio do fundo estão associados a empresas com operações em 13 estados brasileiros. Já em termos setoriais, o fundo apresenta ativos ligados principalmente ao setor de Distribuidora (46%) e a Cooperativas (43%). Os gestores do fundo enxergam o momento atual como algo cíclico e que pode começar a ser revertido em um ano. A queda mais abrupta no valor da soja trouxe movimento negativo para outros segmentos do agronegócio.
Além disso, acontecimentos recentes relacionados ao CRA Languiru também trouxeram impactos ao fundo.
Apesar do bom histórico da gestão e de o fundo já precificar a situação relacionada ao CRA da Languiru, acreditamos que pode haver melhora na sua diversificação em termos de exposição setorial e avaliamos que o fundo possui nível de risco de crédito um pouco mais elevado, se comparado a seus pares.
KNCA11
O fundo é gerido pela Kinea Investimentos, e seu patrimônio líquido do fundo é de R$ 2,24 bilhões, fazendo deste o maior Fiagro listado em bolsa segundo essa métrica.
Em seu último Relatório Gerencial, o fundo afirma possuir 61.959 cotistas. Atualmente, o fundo possui 89,8% do seu patrimônio líquido alocado em CRAs, 6,3% em Fiagros FIDC, 2,8% em LCI e os demais 1,0% alocados em instrumentos de caixa.
A maior parte dos CRAs é indexada ao CDI (60,3%), e sua taxa média de aquisição é de 5,05% a.a., com prazo médio de 2,4 anos. Já a parcela atrelada ao IPCA (29,6%) possui taxa média de aquisição de 7,9% e prazo médio de 4,9 anos. No âmbito do setor de Açúcar e Etanol, que possui a maior alocação do portfólio, nossa perspectiva é de que os próximos anos sejam positivos em termos de rentabilidade, em especial para os players mais experientes e com níveis saudáveis de endividamento.
Para o setor de Insumos Agrícolas, no qual 19% do portfólio está alocado, nossa avaliação é de que, após o período de ótimos resultados com os preços mais altos, os revendedores de insumos estão passando por momentos mais desafiadores e com margens mais apertadas.
RZAG11
O RZAG11 é gerido pela Riza Asset Management, e seu patrimônio líquido atual é de R$ 650 milhões, o que faz do fundo o terceiro maior Fiagro listado em bolsa atualmente. O fundo já concluiu duas emissões de cotas, e atualmente possui 37.715 cotistas.
Ao final do mês de janeiro de 2024, o fundo possuía 106,2% de seu patrimônio líquido alocados em 34 CRAs, e os demais recursos em instrumentos de caixa, aguardando alocação em novos CRAs. Todos os CRAs são indexados ao CDI, e sua taxa média de aquisição é de 5,24% a.a., com duration de 2,29 anos.
Conforme destacado no objetivo do fundo, a gestora afirma que seu processo de investimento se baseia na originação própria das operações de crédito.
Em termos de diversificação regional, os CRAs no portfólio do fundo estão associados a empresas com operações em 11 estados brasileiros, com destaque para Bahia, Maranhão e Goiás. Já em termos setoriais, o portfólio de CRAs do fundo está integralmente associado a produtores rurais, predominantemente envolvidos com a produção de soja (47%). O maior devedor da carteira de CRAs (KPS Agropecuária) representa 20,5% do saldo total.
Ao mesmo tempo que focar em sua expertise pode ser uma boa escolha, pode trazer maior concentração de portfólio e consequentemente, de riscos.
Afinal, os Fiagros estão em crise?
Durante a pandemia, as commodities apresentaram produtividade “recorde”, principalmente a soja, alcançando preços bem elevados, que associados com custos controlados num primeiro momento, fizeram com que diversos produtores apresentassem fortes margens.
Na safra de 2022/2023, os produtores começaram a ter margens um pouco menores, se comparadas a anteriormente. Já na safra de 2023/2024, sob efeito do “El Niño”, houve um grande questionamento de como seria a entrega dessa safra, já que entre novembro e dezembro as chuvas em geral foram baixas.
Houve uma quebra da safra da soja, saindo da expectativa de 165 milhões de toneladas para 150 milhões de toneladas, porém ainda assim considerada como segunda maior safra nos últimos anos. No cenário global, houve uma produção acima do esperado na Argentina e ainda redução da demanda que também impactou negativamente o preço da soja. Desse modo, a receita do produtor rural foi impactada pela redução no preço dos grãos e o incremento nos custos de produção, principalmente no custo das dívidas, mais elevado por acompanhar o patamar elevado da taxa de juros Selic.
Portanto, os desafios enfrentados pelas empresas tiveram início em meados de 2023. Assim como o setor imobiliário, é importante ressaltar que o agronegócio também é cíclico. E ainda pode usufruir da possibilidade de diversificação setorial para aproveitar as melhores oportunidades de acordo com cada momento do ciclo.
Na nossa visão, os Fiagros não estão em crise sistêmica, e sim apresentam principalmente renegociações com seus devedores, repactuando prazos, obrigações contratuais com as empresas, que com margens diminuídas e alavancagens maiores em um ano de baixas, deixaram de cumprir algumas obrigações.
O momento é importante e exige avaliar o portfólio do fundo, entender a atuação das empresas/produtores, se a estratégia está adequada ao momento do ciclo do agronegócio e ao cenário macroeconômico.
Recomendamos buscar sempre fundos com maior diversificação em termos geográficos, setoriais, com maior governança de seus devedores (empresas/produtores com balanços auditados, gestão financeira transparente) e transparência em relação aos seus investimentos e riscos associados a cada um deles, para entender a compatibilidade do seu perfil de investidor com esse cenário.
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